terça-feira, 26 de maio de 2009

VISÃO MORTIFERA (ECONÓMICA E SOCIALMENTE FALANDO)

O FUTURO E A SUA CONSTANTE INCERTEZA.

Ao longo dos tempos, o homem tem persistentemente tentado perceber e antever o que poderá vir a acontecer no futuro. Possuísse o homem essa capacidade e teria automaticamente também a de alterar os acontecimentos presentes de forma a influenciar controladamente o futuro.
Para poder fazer previsões para o futuro, há quem defenda a utilização da informação sobre passado e, com base no pressuposto de que a história se repete, utiliza as tendências identificadas na análise histórica para desenhar os acontecimentos futuros. Outros defendem uma ruptura com o passado e tentam “out of the box” encontrar especulativamente causas e efeitos que possam determinar o que irá acontecer no futuro. Efectivamente, qualquer um dos métodos enferma de defeitos. O primeiro, principalmente porque o que aconteceu no passado foi o resultado de um conjunto de variáveis causais que será quase impossível que se venham a repetir no futuro por força da mudança que os próprios eventos passados tiveram sobre o ambiente. O segundo porque assenta principalmente na especulação meramente imaginativa e visionária, não tendo em consideração a efectiva evolução do conjunto dos factores ou variáveis causais que possam vir a ser determinantes para fazer acontecer o próprio futuro.
Assim, e sem a capacidade de conseguir com alguma precisão prever o futuro, resta-nos combinar um pouco do estudo do passado e um pouco do visionamento da potencial evolução dos factores causais e ir criando cenários, mais ou menos discutíveis, que nos possam dar uma ideia do que o futuro poderá potencialmente vir a proporcionar-nos.


O QUE A HISTÓRIA NOS CONTA

O primeiro salto que levou o homem a se diferenciar dos seus restantes parentes primatas, e consequentemente a seguir uma linha de desenvolvimento próprio, com capacidade para influenciar esse mesmo desenvolvimento, foi a fabricação das suas próprias ferramentas. Ultrapassando os seus parentes primatas, que se limitavam a utilizar o que existia na natureza ainda que com carácter de ferramenta, como um simples pau para derrubar um fruto de uma árvore, o homem criou as suas ferramentas e outros meios como fruto da sua capacidade de perceber que existe tempo, consequentemente futuro, e dessa forma desenvolveu meios para preservar e armazenar não só as suas próprias ferramentas como o resultado da sua actividade de recolector e caçador para utilização e consumo futuros.
O desejo de preservar e conservar os seus bens cria a necessidade de se organizar, primeiro em famílias e depois em tribos. A continuada procura de fontes de alimentos e de materiais para construir as suas ferramentas leva o homem a ser nómada e a deslocar-se para ambientes mais inóspitos e agressivos, o que o obriga a desenvolver novas soluções para os agora novos problemas encontrados, mas sempre com base no aproveitamento da sua capacidade de usar e transformar o que a natureza lhe proporcionava. A sua inteligência e imaginação tinham separado definitivamente o homem dos constrangimentos naturais que continuavam a assolar os seus já mais distantes parentes primatas.
Se de alguma forma podemos caracterizar o sistema económico da época o mesmo assentava na capacidade de colher e preservar os seus bens, tenham sido eles de utilização ou de consumo.

O segundo salto que levou o homem mais longe acontece com a domesticação dos primeiros animais e a possibilidade de sedentarização das tribos. A necessidade de procura constante de alimentos desaparecia com a possibilidade de o homem produzir esses mesmos alimentos, vegetais ou animais. Mais, o homem, passou a utilizar os próprios animais domesticados para o ajudar na produção desses mesmos alimentos, em conjugação com novas ferramentas que criou para esse mesmo fim. O animal domesticado passou a ser o aliado principal do homem, diminuindo-lhe o esforço necessário para sobreviver.
Surge então a possibilidade de alguns deles se dedicarem a actividades especializadas e poderem viver a partir da troca dos produtos por si produzidos em troca de alimentos.
Por força da sedentarização, o homem organiza-se em povoados, aumentando consideravelmente a população dos mesmos e passando a ter uma organização social mais complexa.
A acumulação de ferramentas de utilização e bens de consumo é agora ainda mais fácil.
Contudo, se a sedentarização melhorou muitos dos aspectos da vida humana, eliminou-lhe a possibilidade de vaguear pelos territórios mais afastados na procura de bens naturais. A necessidade de ter esses bens abre a possibilidade de se iniciarem as trocas entre diferentes povoados. O comércio surge como forma expedita de colmatar as necessidades de uns e de valorizar os excedentes de outros.
As ferramentas vão sendo cada vez mais sofisticadas, e o homem assenta a sua sobrevivência no que produz com a ajuda dos animais domesticados e de ferramentas mais complexas.
O sistema económico assentava principalmente na posse da terra de onde se pode extrair bens de consumo e na posse ou domínio da capacidade produtiva assente no homem, muitas vezes como escravo, nos animais domesticados e nas ferramentas necessárias à produção (tanto no campo agrícola, como piscatório como mesmo no campo bélico). O capital (moeda) é importante como meio de troca nas transacções mas não é determinante na geração de valor, salvo raras excepções que não assumem um peso determinante na evolução da economia, apesar de nos últimos séculos deste segundo período o capital ter assumido uma maior importância na economia, face ao peso do comércio na mesma.

O terceiro salto que levou o homem a mais um grande avanço no seu desenvolvimento como sociedade e como economia é definido pelo início da revolução industrial. A máquina a vapor e depois, progressivamente, o motor a explosão e a electricidade, a par do desenvolvimento no campo da química da síntese de matérias-primas retiradas da natureza, levaram a que o homem desse até a esse momento na sua história o seu maior salto evolutivo.
A industrialização permite a transferência da mão-de-obra dos campos para as cidades, deixando para trás uma agricultura de sobrevivência cada vez mais esgotada para passar a ser valorizada em função da sua capacidade produtiva nas novas fábricas de novos produtos e maquinarias.
A revolução industrial revolucionou a própria agricultura num processo de drenagem da mão-de-obra que ainda persistia em ser fiel à mesma.
A revolução industrial criou capacidade de produzir produtos de consumo e ferramentas a custo baixo, democratizando a economia.
A revolução industrial criou ainda a possibilidade da indústria bélica se desenvolver para áreas nunca pensadas anteriormente, também ela indutora do desenvolvimento da própria revolução industrial.
A importância passou, repentinamente, da utilização conjugada de um homem ou animal domesticado e de uma ferramenta para a utilização de uma máquina por um homem.
A máquina substitui o animal, mas ainda necessita do homem para a tornar produtiva.
O custo de produção de muitos produtos e bens de primeira necessidade baixa, porque a produtividade aumenta, a capacidade de remunerar os trabalhadores industriais aumenta porque as margens também crescem, os trabalhadores industriais tornam-se também eles ávidos consumidores de bens e serviços, alguns serviços surgem para dar resposta a essa agora nova procura massificada como o turismo, a saúde, a educação e outras, a construção de habitações para a nova classe do proletariado desenvolve-se face à capacidade de aquisição, tornando-se numa nova e lucrativa indústria e ainda assim sobra capacidade aquisitiva da população produtiva para outros bens relacionados com o luxo e o bem-estar.
A criação de valor leva à procura de novos produtos, que na sua resposta acabam por criar mais valor. Entra-se numa espiral de criação de valor, suportada pela componente financeira que garante esse mesmo valor através da gestão cambial das moedas e da sua disponibilização.
O sistema económico assenta principalmente no capital, enquanto a posse de terra perde a sua importância determinante para a criação de valor, e é, determinantemente, o capital que sustenta o investimento gerador de valor acrescentado que suporta o crescimento da economia. A sociedade tende a ser mais igualitária no que diz respeito ao trabalho e à sua compensação, os donos da terra perdem a sua força e os donos do capital exercem o seu poder através da selectividade de investimentos e das respectivas rentabilidades.
A força da opinião pública conhece uma nova dimensão e as elites económicas, políticas, religiosas, militares e sociais perdem a sua capacidade de exercer a sua vontade pela força e tendem a preferir o processo de exercer o seu poder pela persuasão.

O quarto salto na evolução do homem está relacionado com a revolução nas tecnologias de informação e comunicação bem como no domínio de novas formas de energia (ainda se há-de encontrar uma designação apropriada para este novo ciclo).
O homem que durante o período anterior necessitava de si próprio para inventar, dominar e utilizar as máquinas, vê-se agora na posição de apenas de ter de criar ou inventar as soluções, pois as tecnologias de informação e comunicação permitem-lhe que o controlo e utilização da parte “máquina” de qualquer uma “solução” seja feita sem a sua presença.
A automação/robotização é crescente e irreversível. O homem cria a máquina que, com a ajuda da componente IT, também por si criada, será completamente independente do controlo, utilização e preocupação do ser humano. O homem cria as máquinas que podem produzir outras máquinas que, por sua vez, poderão produzir os bens e serviços de que o mesmo homem necessita, sem que o dito homem necessite de utilizar mais do que a sua capacidade imaginativa, criativa e racional para o efeito desejado.
O homem, dentro de poucas décadas, com base na tecnologia já existente no tempo actual, não irá necessitar de outro homem para fazer funcionar o quer que seja. O homem é por si o criador e o beneficiário final de um sistema complexo mas completo que lhe permite satisfazer todas as suas necessidades e usufruir da qualidade de vida que sempre ambicionou, a um custo demasiadamente reduzido por força do baixo custo da máquina informatizada.
Para os mais temerosos do progresso, sabemos que a capacidade de criar está associada á capacidade de “sonhar” e de conceber algo abstracto, coisa que a máquina por melhor software que possa ter nunca irá conseguir porque lhe faltará a componente funcional química que o cérebro humano possui de forma bastante desenvolvida e ainda pouco explorada, pelo que o domínio do homem pela máquina não passará de pura ficção científica a milhares de anos-luz de nós.


SERÃO OS INTANGÍVEIS QUE CRIAM MAIS VALOR?

O valor é um conceito que pode ser visto de diferentes perspectivas.
Uma das perspectivas está relacionada com o valor que alguém obtém por desenvolver uma actividade ou obter um resultado, quer utilize ou não qualquer input, mas obtendo sempre um output que pode ser transaccionado. Este é o valor para quem produz e/ou “vende”.
Outra perspectiva é da de alguém que para obter uma determinada “coisa”, tenha a mesma forma material ou não, vai ter de pagar, para o efeito da aquisição da “coisa”, com algum tipo de meios ou recursos. Este é o valor para quem “compra”.
Uma terceira perspectiva, mais relacionada com a sociedade em geral, está conectado com os aspectos tangíveis e intangíveis, estes últimos com carácter mais emocional, que as “coisas” podem ter para alguém que, mesmo não tendo nenhum interesse directo, se relaciona de alguma forma com a “coisa”. Este é o valor, na forma de somatório dos valores anteriores, que para quem se “relaciona” de alguma forma com a coisa em causa, se reflecte na sociedade na sua forma mais simples, ou seja, na criação de riqueza.

O primeiro conceito de valor, relacionado com quem produz algo, tem a ver com a diferença dos recursos utilizados e os recursos obtidos como forma de compensação pelo resultado obtido.
A colocação de uma semente no solo que futuramente irá gerar uma planta que por sua vez produzirá meio quilograma de novas sementes é um processo de acrescentar valor. A natureza já o faz de forma natural. O homem aprendeu a reproduzir o processo de forma controlada e mais eficaz. Assim, o output pode ser transaccionado ou consumido por quem criou esse valor. Contudo, ao consumir ou transaccionar o referido produto, a criação de valor termina para o seu criador inicial.
A transformação de uma matéria-prima natural, como a duma pedra num martelo polido ou lascado pré-histórico, foi uma das primeiras formas de criar valor que não desaparecia com uma única utilização, mas antes criava a possibilidade de replicar o desempenho de algumas funções e com maior eficácia. Neste caso, o output pode ser transaccionado ou utilizado por quem criou o valor da “coisa” inicial para criar novo valor noutras “coisas”.
O valor de um qualquer produto ia podendo ser acrescentado até um determinado ponto máximo, sendo que quando era consumido ou destruído perdia-se por completo o seu valor. Isso acontecia, e ainda acontece, com a alimentação ou com bens materiais, como utensílio.
O valor que os bens produzidos pelo homem poderiam ter tinha a ver com o tempo necessário para produzi-los ou com a dificuldade que poderia existir em produzi-los. O conceito ainda hoje se aplica. Quanto mais difícil é produzir um determinado bem ou mais tempo o mesmo leva a ser produzido maior o valor que poderemos determinar para o mesmo. Se para produzir algo, nós próprios podemos fazê-lo devido à sua simplicidade e ao pouco tempo aplicado na sua produção, é normal que não atribuamos valor a esse produto ou serviço e, em vez de o adquirir por um determinado montante, acabamos nós por fazê-lo.
Quanto maior a necessidade de adquirir conhecimentos e competências especiais para produzir um determinado produto maior é o valor do mesmo na medida em que exige de quem o queira reproduzir um maior investimento na aprendizagem necessária para o vir a produzir e, consequentemente, venha também a querer ser mais compensado pela sua “venda”.

O segundo conceito de valor é o de quem adquire ou “compra” uma qualquer coisa, seja esta um produto ou serviço, isto é, quer seja material ou imaterial.
O “valor” de uma coisa é sempre o resultado da função “satisfação de necessidades” / “recursos utilizados”. O número de funções desempenhadas, o nível qualitativo desse desempenho, o preço pago e outros recursos utilizados como tempo, a disponibilidade ou escassez e outros são todos factores que influenciam o “valor” da coisa, ou seja, do produto muitas vezes com muitos serviços já agregados, como instalação, entrega, manutenção, que, no seu todo, se torna na “solução” para uma determinada necessidade.
As “soluções”, (entenda-se por solução produto, serviço ou a combinação de ambos), podem ser percepcionadas ou entendidas como comuns e simples (iguais às demais soluções para o mesmo problema), assumindo um valor de “commodity”, ou únicas (diferentes funcional e qualitativamente) e complexas, passando a ter um valor de “premium” (Fernandes, 2008). Naturalmente que o preço que o consumidor ou comprador está disposto a pagar pela primeira é sempre muito inferior ao que se dispõe pagar pela segunda.
A “solução” só existirá se der resposta a uma determinada necessidade. Sabemos que as necessidades podem assumir vários níveis de importância para o consumidor, ou para ser mais preciso, para o ser humano: fisiológicas, de segurança, sociais, de estima e de realização pessoal (Maslow, 1943). Assim, para as necessidades fisiológicas a maioria das soluções apresentadas ao mercado tendem a ser produzidas como “commodities”, na medida em que visam responder a necessidades básicas com funções meramente intrínsecas à própria “solução”. Conforme vamos passando para outros níveis de necessidades, como de segurança e sociais, as “soluções” que a oferta disponibiliza vão-se aproximando e chegando em quantidade ao valor “premium”. “Soluções” para o topo da pirâmide hierárquica das necessidades serão potencialmente todas de valor “premium”. Os produtos considerados “luxo” dão claramente resposta a necessidades essencialmente emocionais que se encontram nos últimos tipos de necessidades identificadas atrás.
Existe uma clara relação entre o valor das “soluções”, onde se inclui o preço como parte dos recursos necessários para se obter a satisfação das necessidades, e o tipo de necessidade a que as mesmas soluções dão resposta.

O terceiro aspecto do valor, na sua forma mais holística, está relacionado com a sociedade em geral, e reflecte-se nessa mesma sociedade na criação de riqueza, comunitária ou individualizada, mas que influencia o nível de bem estar, de parte ou da totalidade da dita sociedade.
O valor acrescentado que se entende como podendo ser mais perto deste conceito holístico é aquele assenta na Cadeia de Valor (Porter, 1985), que combina e aglutina o valor de quem “vende” com o valor de quem “compra”, em que cada uma das soluções encontradas é claramente inferior nas “commodities” e superior nas “premium”. Esse mesmo valor acrescentado total pode ser resultante da componente tangível ou intangível da “solução”. A componente tangível é aquela que é “material”, podendo ter forma física ou não, que se pode desfazer, desgastar, utilizar e até desaparecer, como acontece quando ingerimos um alimento ou quando utilizamos uma passagem num qualquer meio de transporte. A componente intangível é aquela que, também pode ter forma física ou não, é “imaterial”, estando antes relacionada com o “conhecimento humano” e com a possibilidade da sua replicação. A tangibilidade está agregada à contratualização existente entre as partes envolvidas na transacção da “solução” e a intangibilidade está conectada à não contratualização entre as partes envolvidas na transacção da “solução”(Allee, 2003). De acordo com esta linha de raciocínio, poderemos avaliar o valor que uma determinada “solução” pode proporcionar, não só a quem a produziu e/ou vendeu, mas também a quem a adquiriu e ainda à sociedade em geral.

Com base na compreensão destas três perspectivas de valor poderemos identificar quatro tipos de valor.
O primeiro é o “valor tangível simples” de uma solução, como por exemplo um alimento, um combustível ou uma viagem em meio de transporte, que tem um somatório de valor limitado em função da sua duração finita ou impossibilidade de repetição. No fim de desempenhar as suas funções principais, a solução utilizada para resolver um problema específico, é destruído ou gasta até à destruição pela sua utilização ou é perdida a possibilidade da sua utilização, o que lhe retira o valor ou possibilidade de repetição de criação de valor.
O segundo é o “valor tangível complexo” de uma solução, como no caso de uma máquina, edifício ou estrada. O seu valor não se limita aquele que é providenciado a quem criou a solução mas também o que é proporcionado a quem repetidamente a utiliza para criar mais valor noutras soluções. Enquanto a solução durar ou for utilizável, a criação de valor agregada à solução é potencialmente muito mais elevada do que no primeiro caso, porque neste caso é possível a repetição de criação de valor ao longo de um período de tempo, mais ou menos longo.
As soluções que são caracterizadas por estes dois tipos de valor acrescentado sofrem, por via do fenómeno da “comoditização”, de uma constante perda de capacidade de produzir valor para o fabricante/vendedor.
O terceiro é o “valor intangível simples” de uma solução, com base no valor intangível da coisa ou ideia, como no exemplo de um quadro ou escultura ou ainda de um produto resultante de inovação de ruptura (Fernandes, 2008), mas apenas enquanto o mesmo não sofre os efeitos do processo natural de “comoditização”. O valor da solução não é determinado pela sua componente material mas sim pela intelectual. O valor está na impossibilidade de repetição da solução, isto é, por esta ser única e irrepetível, pelo menos temporariamente no caso da inovação, e por ter agregado uma forte componente emocional que é inseparável da componente material. No caso de uma obra de arte, a sua destruição anula o seu valor por completo e impossibilita que mais valor lhe seja acrescentado pelas mais variadas razões, como estima ou exclusividade. No caso de um produto resultante de inovação de ruptura a sua comoditização baixa-lhe drasticamente o seu potencial de criação de elevado valor acrescentado.
O quarto é o “valor intangível complexo” de uma solução, paradoxalmente com base no potencial valor tangível que uma solução ou ideia pode criar, como uma teoria ou peça musical ou ainda uma descoberta fruto de um processo de investigação e desenvolvimento, como a descoberta da radioactividade, que podem ir criando valor acrescentado, potencialmente, de forma ilimitada ao longo do tempo. O valor da solução é determinado pela sua componente tangível, fundada na componente intangível que é resultante da associação intelectual de uma ideia com as emoções que se podem criar em todos que se relacionem com a solução, sendo que a solução cria valor para alguma das partes envolvidas ou para todas elas sempre que se verifica a sua repetição. A sua destruição física é potencialmente impossível, na medida em que as teorias e descobertas são largamente disseminadas no mercado e as simples ideias podem ser transmitidas de forma não física, como a transmissão oral, o que faz com que a solução possa ser repetida e possa continuar infinitamente a criar valor para as partes envolvidas.
Pegando nos extremos, pode-se colocar a questão de quem cria mais valor: quem produziu ao longo da sua vida toneladas de um dado alimento ou milhares de peças de um determinado equipamento ou quem compôs uma única peça de teatro que seja um sucesso durante muitas décadas ou mesmo séculos ou a criação de uma linguagem informática que possa ser utilizada pelo mercado em geral, repetidas vezes sem limite, proporcionando assim aos muitos intervenientes nessa repetição o beneficio do valor acrescentado repetidamente criado?

OS CENÁRIOS MAIS PROVÁVEIS PARA O FUTURO

O passado e o presente
Durante os últimos séculos, a sociedade e a economia sofreram uma enorme transformação, passando pela revolução industrial e pela revolução da informação.
As taxas de ocupação da mão-de-obra em cada um dos sectores ocupacionais sofreram enormes alterações, como representado na Figura 1. (nota: para efeito de representação da evolução das taxas de ocupação nos diferentes sectores por efeito dos factores endógenos, foram retirados do gráfico desvios causados por factores exógenos como períodos de guerra ou de catástrofe[1]).



A uma primeira fase em que cerca de metade da população vivia da actividade agrícola, a revolução industrial levou a população agrícola a procurar actividade na indústria, que assim funcionou como sector de substituição à agricultura como também absorveu parte dos inactivos, especialmente a população feminina.
O crescimento económico que a indústria introduziu na sociedade, criou uma nova classe, a classe média, mais exigente e com maior poder de compra, que induziu ainda mais crescimento à indústria mas também, de forma vincada, aos serviços.
A continuação da diminuição da taxa de ocupação da mão-de-obra no sector primário foi sendo continuadamente compensada pelo aumento da taxa de ocupação nos sectores secundário e terciário, tendo-se verificado uma diminuição na taxa de população não activa, que literalmente se passou a resumir a jovens, na sua fase de educação e formação, a idosos, na sua fase de reforma, e à população desempregada, esta com tendência a uma crescente diminuição até níveis residuais.
A automação dos processos nos últimos tempos, tanto agrícolas como industriais, muita dela por força da utilização de tecnologias de informação, tem diminuído a necessidade de utilização de mão-de-obra de forma tão intensiva nos sectores primário e secundário, sendo esta absorvida pelo sector terciário.
A revolução da informação veio aumentar a capacidade do sector secundário em criar mais “valor tangível complexo” por via da automação dos processos e também iniciar o processo de criação de “valor intangível simples” por via de soluções com base na inovação de ruptura que por si próprias são indutoras na criação de mais valor acrescentado. Este fenómeno, amplamente benéfico para as diferentes indústrias transformadoras já existentes, foi, acima de tudo, indutor de elevado valor acrescentado para as actividades industriais relacionadas com a inovação, como processo de transportar os novos conhecimentos para produtos aceites pelo mercado. Contudo, a mesma revolução da informação possibilitou ainda a criação de novas indústrias que criam “valor intangível complexo”, por via de I&D, na forma de novas descobertas ou criações que posteriormente são utilizados em processos de inovação de ruptura.
O sector terciário também beneficiou bastante com a revolução da informação, tendo-se criado principalmente novos serviços com base nas TIC, com resultados tanto no campo de criação de “valor tangível simples” como no de “valor tangível complexo”.
A disponibilidade de capital proporcionada, essencialmente à classe alta mas também à classe média, pelo rápido crescimento económico nas últimas décadas no ocidente, fez com que muitas das actividades criadoras de “valor intangível simples” e/ou “valor intangível complexo” beneficiassem também de mais procura e, consequentemente, de maior desenvolvimento.


O presente e futuro próximo
A continuada automação dos processos de extracção e de produção agrícola irão manter o baixo nível de empregabilidade do sector primário, por todo o mundo.
Nos países ditos mais desenvolvidos, com a deslocação da indústria de mão-de-obra intensiva para regiões com custos laborais mais baixos, o sector secundário irá ver a sua taxa de empregabilidade baixar drasticamente.
A mais do que previsível diminuição de necessidade de utilização de mão-de-obra nos serviços por força dos processos de automação irá também tendencialmente baixar a taxa de emprego do sector terciário.
A subida da taxa de desemprego será a consequência imediata deste fenómeno.
O aumento da esperança de viva irá fazer subir a percentagem de população não activa, com a agravante de trazer um custo adicional à sociedade para manter a qualidade de vida dessa mesma população.
O desaparecimento da classe média consumista é e será cada vez mais palpável na sociedade ocidental, fazendo baixar a procura de muitos produtos e serviços que não sejam de primeira necessidade, portanto daqueles com valor acrescentado mais elevado (de todos os tipos menos do tipo “valor tangível simples”).
A diminuição da capacidade de compra por parte da procura e a tentativa de manutenção das actuais capacidades produtivas levarão inevitavelmente a um excesso de produção insuportável, eliminando actividades produtivas e piorando a situação da empregabilidade nos sectores secundário e terciário.
A relação da pirâmide de necessidades com a pirâmide de consumidores tornar-se-á menos proporcional, sendo os produtos de primeira necessidade ou de satisfação das necessidades primárias aqueles que manterão ainda uma procura consistente ao nível das “soluções” mais comoditizadas, em contraponto com a manutenção ou aumento de procura de “soluções” “premium”, principalmente nos níveis superiores da pirâmide das necessidades para o topo da pirâmide dos consumidores, classes alta e média-alta.


As causas e os efeitos
O erro do crescimento com base no consumo interno foi, para muitos países ocidentais, quase fatal, principalmente quando assente na manutenção da capacidade de compra dos seus consumidores com base em financiamento, muito dele de origem externa, para comprar “soluções” cujo valor acrescentado, independentemente do seu tipo, ficava nos países fornecedores das mesmas.
A perda de muitas das actividades criadoras de valor para outras economias cria um enorme problema à economia ocidental, especialmente nos países onde impera o Estado Social, que se financiam através dos impostos sobre o valor acrescentado. Se este deixar de ser criado de forma consistente e em quantidade suficiente, os impostos correm o risco de se tornarem insignificantes em montante e insuficientes para as necessidades de suporte ao sistema social.
O potencialmente rápido aumento da população não activa, cada vez mais carenciada e necessitada da ajuda do Estado Social, vai criar mais necessidade de aumentar os impostos sobre as actividades ainda criadoras de valor até valores extremos, impossibilitando que as mesmas se mantenham lucrativas. Mesmo que a população activa, em qualquer um dos sectores económicos, se dediquem mais a actividades que criem valor acrescentado dos tipos “valor tangível composto” e “valor tangível e intangível composto”, capazes de disponibilizarem margens de lucro muito elevadas, o peso da população não activa será tão grande sobre a sociedade e o Estado que retirará, na forma de impostos, todo o lucro da actividade económica das empresas, desincentivando o investimento e o empreendorismo.
Esta já quase realidade na economia ocidental tenderá a estender-se a outras economias conforme estas vão imitando a primeira nos objectivos e processos, sendo uma questão de tempo o que ainda mantém a economia do globo em diferentes estágios.

Vários cenários podem ser criados a partir destas potenciais premissas.
A diminuição da população, induzida por diferentes métodos, pode ser uma forma de reduzir a desproporcionalidade criada no âmbito das taxas de ocupação, nomeadamente na quantidade de população não activa. Os métodos de reduzir a população poderão ser bastante diferentes entre si, desde o simples controlo de natalidade com determinação do número de descendentes por casal, passando por pandemias naturais ou introduzidas e podendo mesmo chegar à guerra entre populações.
A movimentação repentina das populações, das não activas na procura de emprego noutras paragens ou das activas na fuga à carga fiscal e perda de oportunidade, pode criar fortes instabilidades, primeiramente a nível nacional e/ou regional e posteriormente a nível continental e/ou mesmo global. Estas movimentações, voluntárias ou involuntárias, poderão criar desequilíbrios sociais e económicos que levem à tomada de acções drásticas pelos Estados, como o encerramento das fronteiras e o recuo na livre movimentação de pessoas, bens e capital.
A tomada de poder pelas populações activas, compostas pelas classes sociais mais altas e favorecidas, dominantes em função do poder que lhes advém de produzirem valor acrescentado para si próprias, pode levar à expulsão das populações não activas, forçando-as ao êxodo compulsivo, criando sociedades elitistas e fechadas, social e territorialmente, determinando-se a sua dimensão por via de processos de selectividade dos mais aptos para contribuírem para a criação de elevados graus de valor acrescentado, ou de “elitização” da sociedade. A segurança, interna e externa, será um dos grandes problemas deste tipo de solução.
Por outro lado, a tomada de poder pelas populações não activas, compostas por classes sociais mais baixas e desfavorecidas, pode levar à destruição da base do conhecimento e organizacional que suporta as actividades criadoras de elevado valor acrescentado, criando-se sociedades igualitárias mas pobres, assentes em actividades básicas e primárias, com a potencial perda do conhecimento desenvolvido ou adquirido e, consequentemente, da capacidade de criação de elevados graus de valor acrescentado, por via de um processo de “barbarização” da sociedade em que os bens intelectuais sofrerão destruição e os bens materiais divisão e degradação. O retrocesso económico e de qualidade de vida, bem como do desenvolvimento tecnológico será um dos grandes problemas deste tipo de solução.
Em qualquer uma destas duas últimas situações extremas, haverá uma enorme mudança do actual paradigma económico, com a potencial perda da importância da moeda, contrariada pelo aumento da importância e do valor do conhecimento individual. A facilidade de acesso às “soluções”, dentro de uma mesma sociedade organizada, tenderá a ser mais igualitário, e será essa maior ou menor facilidade de acesso que irá compensar quem tiver mais conhecimentos e não apenas capacidade económica. No caso da “barbarização” da sociedade os bens materiais são escassos e estão muito divididos, sendo dificultada a acumulação dos mesmos, o que retira valor à moeda. No caso da “elitização” da sociedade o acesso aos bens tende a ser quase livre, pela facilidade e baixo custo de produção, o que retira importância à moeda. É o conhecimento individual que se distinguirá e se fará valer para obtenção e potencial retenção de mais bens. Só a repetição do fenómeno de afastamento da capacidade de retenção de bens voltará a restituir importância e valor à moeda.

Como se pode mitigar estes efeitos?
Os pontos de vista seguintes estão relacionados com o lado dos negócios no âmbito da economia.
Necessitamos de humanizar a sociedade. A criação de valor e a sua distribuição de maneira que satisfaça todas as partes interessadas pode contribuir para mitigar o potencial colapso da sociedade. A necessidade e a possibilidade das pequenas empresas terem uma relação de maior proximidade entre investidores, gestores e trabalhadores, humaniza as relações entre estes e evita que existam interesses díspares e contrários entre todos, como acontece com as grandes empresas locais ou multinacionais. A construção de economias com base num tecido de pequenas empresas pode aproximar os interesses e possibilitar que o valor criado e a sua respectiva distribuição sejam mais equilibrados. As organizações deverão apostar na criação de valor acrescentado assente na I&D e na inovação de maneira a que o seu valor criado seja mais elevado para elas próprias mas também para os consumidores e para a sociedade. Contudo, para esse efeito é necessário investimento que as pequenas empresas raramente têm capacidade para fazer na medida certa e necessária.
Necessitamos de definir o papel do Estado. Alguns defendem que compete ao Estado mitigar as falhas do mercado, ajudando as empresas a criar mais valor acrescentado, por via de regulamentação que induza investimento e compensem a inerente assunção de um risco mais elevado. O Estado deve ser mais regulador e menos interveniente na economia, mantendo a exclusividade na segurança externa e interna e na justiça, intervindo na saúde, segurança social e edução quando o mercado não der resposta às necessidades existentes e deixando completamente na mão da iniciativa privada todas as outras actividades criadoras de valor acrescentado. A criação equilibrada de valor por e para todas as partes interessadas aumentará a capacidade de investimento das empresas e de consumo dos consumidores, tendo por base o valor acrescentado real resultante da participação de cada um. Contudo, a forma de avaliar o valor que cada uma das partes cria e gere deve ser equilibrada e isenta de manobras de especulação e de manipulação que tenham como principal objectivo o benefício de apenas uma pequena parte dos intervenientes e ignore as consequências futuras das mesmas manobras. O sistema de avaliação do valor acrescentado tem de ser determinado de forma a não cortar a iniciativa e o investimento como também a angariar a necessária receita ao Estado.
Necessitamos de reduzir a importância do capital. Os mercados de capital deverão adoptar formas de avaliação do valor acrescentado e não apenas do lucro obtido, meramente traduzível em capital.
Necessitamos de cidadãos responsáveis. Os indivíduos deverão ser avaliados em função da sua participação na criação de valor, de forma directa e indirecta, quer seja por via da sua pro-actividade e participação na acção ou actividade operacional como também na disponibilização do seu capital intelectual para as soluções criadas pelas empresas e outras organizações, dentro de um conceito de meritocracia. Compete aos cidadãos, de forma individual e colectiva, por sua própria iniciativa, desenvolverem competências, individuais e colectivas, que possam induzir criação de novas “soluções” por via da I&D e da inovação.

Conclusões
A mudança de paradigma na forma como a sociedade e os próprios Estados têm visto o valor até agora pode contribuir para uma sociedade mais justa na distribuição da riqueza gerada e acumulada e na compensação do esforço individual de cada um dos intervenientes.
A importância e o foco devem deixar de estar na posse de capital ou de posição social mas passar para o contributo fornecido por cada indivíduo para o bem comum, assumindo-se que o homem é um “animal social” e que dificilmente pode criar e acumular valor como resultado da sua exclusiva actividade individual.
Desta forma, muitos dos desequilíbrios actuais existentes entre indivíduos da mesma espécie, a raça humana, poderá assumir um maior equilíbrio e igualdade, mas tendo como base padrões mais elevados, sempre com o objectivo de nivelar por cima.
A principal a última questão é esta: irá o homem permitir que estados totalitários assumam o controlo das sociedades e das economias mundiais, na pior das hipóteses, ou irá suportar o aumento de importância dos indivíduos e dos Estados mais Keynesianos , como hipótese menos dramática.
Uma coisa acontecerá com quase toda a certeza: o capitalismo, como o conhecemos, irá desaparecer, mas isso já era, de qualquer maneira, inevitável a longo prazo.


Bibliografia:

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[1] Fontes: Eurostats, INE, internet, com base nos valores para Portugal

1 comentário:

Eduarda Geraldes disse...

Manuel, gosto bastante da maneira como escreves e como te referes a assuntos tão complexos de uma forma tão simples, acessível a qualquer um, e ao mesmo tempo tão detalhada.
Obrigada pela partilha.
Infelizmente, concordo contigo nesta "Visão Mortífera"...
Um abraço
Eduarda Geraldes