quinta-feira, 2 de julho de 2015

IDI em Portugal -

Manuel Teles Fernandes
(2015)


Em finais de Fevereiro de 2015 os media nacionais deram voz a algumas das conclusões da COTEC sobre o investimento público nacional na investigação relacionada com a criação de produtos. De acordo com a análise feita aos resultados do investimento público feito durante o período de 2000 a 2012 nessa área, no montante de 643 milhões de euros, concluiu-se que o mesmo não teve o consequente e desejado retorno na criação de valor para a economia.
O investimento público tem dois eixos principais: (i) o apoio às universidades, centros tecnológicos e afins, nas áreas da investigação fundamental e aplicada e na qualificação cientifica de recursos humanos, e (ii) às empresas com actividades de IDI. A causa mais flagrante para o resultado apresentado pela COTEC é a desadequação do investimento com a realidade do país, nomeadamente o desalinhamento do mesmo com a actividade económica existente.
Esta indicação leva à necessidade de compreender, em mais detalhe, o que se passa, efectivamente, na economia real. Uma parte do investimento feito pelo erário publico foi canalizado para as empresas que desenvolvem actividades de IDI, por via dos diferentes programas de apoio ao desenvolvimento económico, co-financiados pela União Europeia.
Um dos resultados desse esforço foi a certificação de muitas empresas pela norma portuguesa NP4457 – Gestão da Investigação, Desenvolvimento e Inovação (IDI) – Requisitos do sistema de gestão da IDI. Na lista, disponibilizada na base de dados do IPAC (Instituto Português de Acreditação, Março 2015), identificam-se 164 organizações que obtiveram a certificação do seu sistema de gestão da IDI. É sobre estas empresas que incide um estudo cujos resultados serão objecto de publicação em forma de artigo, numa revista académico nacional, e do qual se extraiu o resumo que se segue.
As 164 empresas que constam na base de dados do IPAC, todas com certificação dos seus sistemas de gestão da IDI, foram sujeitas a uma análise detalhada por um painel pluridisciplinar de especialistas nas áreas da gestão pelo valor, da inovação, da economia e da qualidade, bem como em auditoria à norma da IDI. Para efeito dessa análise foi considerado o âmbito da certificação das empresas e as informações disponibilizadas pelas mesmas nos diferentes media de livre acesso ao público.
A análise aponta para que 26,6% das empresas assenta o seu principal esforço de inovação no desenvolvimento de produtos, 68,3% nos serviços que presta, e 5,5% nos seus próprios processos internos.
Da amostra total, apenas 2,4% das empresas apresenta claras evidências de que os seus processo de inovação assentam na criação de valor, por via da produção de produtos e serviços que são novos para o mundo, sendo este o nível mais elevado de inovação de acordo com a OCDE (Manual de Oslo 2005). Estes produtos criam novas curvas de valor, sendo muitas vezes completamente novos ou em tudo diferentes dos produtos existentes que substituem.
Somente uns insignificantes 0,6% da amostra apresenta soluções que podem ser consideradas de forma inequívoca como inovação que acrescenta valor ao produto, por via da adição da componente de valor intangível ao mesmo, sendo este indutor de alterações culturais, isto é, mudanças nos comportamentos dos consumidores.Os restantes 97,0% das empresas apresentam soluções que não passam de inovação de melhoria, ou seja, geradora de pequenas alterações ao produto ou serviço ou aos processos produtivos, de networking e de marketing. Este tipo de inovação provoca diferenciação nos produtos/serviços que são facilmente copiados pelos concorrentes, por isso de curta duração.
Na amostra não foi identificada nenhuma empresa que se posicionasse claramente como desenvolvendo inovação que leve à criação de produtos/serviços alternativos aos existentes, que ainda que se apresentem com desempenhos inferiores, são disponibilizados a preços muito mais baixos para os consumidores, atingindo a base da pirâmide dos últimos, com volumes de consumo muito superiores. Este tipo de inovação tem, geralmente, impactos relevantes na economia, o que não se verifica na amostra em estudo.
Constata-se que 98,8% das empresas da amostra se apresentam como utilizando tecnologia, com maior ou menor incidência na sua actividade de IDI, para criarem a inovação definida no âmbito da sua certificação. Destas, 1,8% desenvolve inovações tecnológicas com base nos resultados da investigação fundamental própria, transposta para a criação de novos produtos ou serviços para o mundo. 0,6% desenvolve inovação tecnológica com base em investigação aplicada, utilizando conhecimentos fundamentais da mesma ou doutras industrias, na criação de produtos que dão respostas a necessidades muito específicas de determinados nichos do mercado. Os restantes 96,3% das empresas limitam-se a adoptar ou adaptar tecnologias existentes para resolver problemas do mercado, produzindo produtos ou utilizando processos ligeiramente diferentes dos demais.
Se a inovação tecnológica está presente em quase todas as empresas, ainda que na esmagadora maioria delas esteja apenas ao nível da adopção de novas tecnologias, a inovação cultural está apenas presente numa única empresa, de forma inquestionável, representando 0,6% da amostra. A inovação cultural, no estrito âmbito desta análise, define-se pela adopção de novos comportamentos pelos consumidores, causado por ou usando como meio um novo produto.
Existirão muitas outras empresas no mercado, para além das que fazem parte da base de dados do IPAC que desenvolvem inovação, por ventura com maior impacto do que a que é feita pelas empresas certificadas em IDI. Contudo, tendo em atenção a amostra analisada que corresponde a uma elite de empresas que obteve a certificação IDI, onde se encontram empresas de referência no mercado nacional, pode dizer-se que, efectivamente, o resultado da análise efectuada ao seu âmbito de certificação e aos outputs da inovação demonstrados confirma as conclusões da COTEC.
O facto de apenas uma reduzida parte da amostra produzir produtos inovadores é sinónimo dos limitados impactos que a nossa inovação tem na actividade exportadora nacional. Os serviços têm muitos mais constrangimentos relativamente à exportação do que os produtos, devido às suas características intrínsecas relacionadas com a não universalidade linguística, fiscal, legal e outras dos mercados externos.
A criação de valor, entenda-se criação de novo valor, por si muito mais susceptível de gerar mais valias do que a normal actividade reprodutiva de valor das empresas, surge como resultado de dois tipos de inovação: inovação tecnológica e inovação cultural. A primeira refere-se, principalmente, à criação de novas soluções tecnológicas e a segunda ao desenvolvimento de novos comportamentos de consumo e de uso. Dos resultados estatísticos da análise efectuada, verifica-se que apenas 2,4% das empresas da amostra possui inovação tecnológica e 0,6% possui inovação cultural que são potencialmente capazes de criar novo valor. Se considerarmos a representatividade da amostra no universo empresarial nacional, este valores percentuais tornam-se insignificantes para fazer com que a inovação feita internamente tenha um forte impacto na nossa economia.
O menos perfeito entendimento do que é inovação, de quais são as diferenças entre a dimensão tecnológica e a cultural, e de como o valor pode ser criado, acrescentado ou melhorado, leva a que muitos dos investimentos menos bem determinados efectuados no passado, e mesmo no presente e no futuro, possa ser a causa próxima do fracasso apontado pela COTEC . Muito trabalho ainda existe por fazer para bem gerir o valor e a inovação em Portugal.


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