Manuel Teles Fernandes
(2015)
Em finais de Fevereiro de 2015 os media nacionais deram
voz a algumas das conclusões da COTEC sobre o investimento público nacional na
investigação relacionada com a criação de produtos. De acordo com a análise
feita aos resultados do investimento público feito durante o período de 2000 a
2012 nessa área, no montante de 643 milhões de euros, concluiu-se que o mesmo
não teve o consequente e desejado retorno na criação de valor para a economia.
O investimento público tem dois eixos
principais: (i) o apoio às universidades, centros tecnológicos e afins, nas
áreas da investigação fundamental e aplicada e na qualificação cientifica de
recursos humanos, e (ii) às empresas com actividades de IDI. A causa mais
flagrante para o resultado apresentado pela COTEC é a desadequação do
investimento com a realidade do país, nomeadamente o desalinhamento do mesmo
com a actividade económica existente.
Esta indicação leva à necessidade de
compreender, em mais detalhe, o que se passa, efectivamente, na economia real.
Uma parte do investimento feito pelo erário publico foi canalizado para as
empresas que desenvolvem actividades de IDI, por via dos diferentes programas
de apoio ao desenvolvimento económico, co-financiados pela União Europeia.
Um dos resultados desse esforço foi a certificação
de muitas empresas pela norma portuguesa NP4457 – Gestão da Investigação,
Desenvolvimento e Inovação (IDI) – Requisitos do sistema de gestão da IDI. Na
lista, disponibilizada na base de dados do IPAC (Instituto Português de
Acreditação, Março 2015), identificam-se 164 organizações que obtiveram a
certificação do seu sistema de gestão da IDI. É sobre estas empresas que incide
um estudo cujos resultados serão objecto de publicação em forma de artigo, numa
revista académico nacional, e do qual se extraiu o resumo que se segue.
As 164 empresas que constam na base de
dados do IPAC, todas com certificação dos seus sistemas de gestão da IDI, foram
sujeitas a uma análise detalhada por um painel pluridisciplinar de
especialistas nas áreas da gestão pelo valor, da inovação, da economia e da
qualidade, bem como em auditoria à norma da IDI. Para efeito dessa análise foi
considerado o âmbito da certificação das empresas e as informações
disponibilizadas pelas mesmas nos diferentes media de livre acesso ao público.
A análise aponta para que 26,6% das
empresas assenta o seu principal esforço de inovação no desenvolvimento de
produtos, 68,3% nos serviços que presta, e 5,5% nos seus próprios processos
internos.
Da amostra total, apenas 2,4% das empresas
apresenta claras evidências de que os seus processo de inovação assentam na
criação de valor, por via da produção de produtos e serviços que são novos para
o mundo, sendo este o nível mais elevado de inovação de acordo com a OCDE
(Manual de Oslo 2005). Estes produtos criam novas curvas de valor, sendo muitas
vezes completamente novos ou em tudo diferentes dos produtos existentes que
substituem.
Somente uns insignificantes 0,6% da
amostra apresenta soluções que podem ser consideradas de forma inequívoca como
inovação que acrescenta valor ao produto, por via da adição da componente de
valor intangível ao mesmo, sendo este indutor de alterações culturais, isto é,
mudanças nos comportamentos dos consumidores.Os restantes 97,0% das empresas
apresentam soluções que não passam de inovação de melhoria, ou seja, geradora
de pequenas alterações ao produto ou serviço ou aos processos produtivos, de networking e de marketing. Este tipo de
inovação provoca diferenciação nos produtos/serviços que são facilmente copiados
pelos concorrentes, por isso de curta duração.
Na amostra não foi identificada nenhuma
empresa que se posicionasse claramente como desenvolvendo inovação que leve à
criação de produtos/serviços alternativos aos existentes, que ainda que se apresentem
com desempenhos inferiores, são disponibilizados a preços muito mais baixos
para os consumidores, atingindo a base da pirâmide dos últimos, com volumes de
consumo muito superiores. Este tipo de inovação tem, geralmente, impactos
relevantes na economia, o que não se verifica na amostra em estudo.
Constata-se que 98,8% das empresas da
amostra se apresentam como utilizando tecnologia, com maior ou menor incidência
na sua actividade de IDI, para criarem a inovação definida no âmbito da sua
certificação. Destas, 1,8% desenvolve inovações tecnológicas com base nos
resultados da investigação fundamental própria, transposta para a criação de
novos produtos ou serviços para o mundo. 0,6% desenvolve inovação tecnológica
com base em investigação aplicada, utilizando conhecimentos fundamentais da
mesma ou doutras industrias, na criação de produtos que dão respostas a
necessidades muito específicas de determinados nichos do mercado. Os restantes
96,3% das empresas limitam-se a adoptar ou adaptar tecnologias existentes para
resolver problemas do mercado, produzindo produtos ou utilizando processos
ligeiramente diferentes dos demais.
Se a inovação tecnológica está presente
em quase todas as empresas, ainda que na esmagadora maioria delas esteja apenas
ao nível da adopção de novas tecnologias, a inovação cultural está apenas
presente numa única empresa, de forma inquestionável, representando 0,6% da
amostra. A inovação cultural, no estrito âmbito desta análise, define-se pela
adopção de novos comportamentos pelos consumidores, causado por ou usando como
meio um novo produto.
Existirão muitas outras empresas no
mercado, para além das que fazem parte da base de dados do IPAC que desenvolvem
inovação, por ventura com maior impacto do que a que é feita pelas empresas certificadas
em IDI. Contudo, tendo em atenção a amostra analisada que corresponde a uma
elite de empresas que obteve a certificação IDI, onde se encontram empresas de
referência no mercado nacional, pode dizer-se que, efectivamente, o resultado
da análise efectuada ao seu âmbito de certificação e aos outputs da inovação
demonstrados confirma as conclusões da COTEC.
O facto de apenas uma reduzida parte da
amostra produzir produtos inovadores é sinónimo dos limitados impactos que a
nossa inovação tem na actividade exportadora nacional. Os serviços têm muitos
mais constrangimentos relativamente à exportação do que os produtos, devido às
suas características intrínsecas relacionadas com a não universalidade
linguística, fiscal, legal e outras dos mercados externos.
A criação de valor, entenda-se criação de
novo valor, por si muito mais susceptível de gerar mais valias do que a normal
actividade reprodutiva de valor das empresas, surge como resultado de dois
tipos de inovação: inovação tecnológica e inovação cultural. A primeira
refere-se, principalmente, à criação de novas soluções tecnológicas e a segunda
ao desenvolvimento de novos comportamentos de consumo e de uso. Dos resultados
estatísticos da análise efectuada, verifica-se que apenas 2,4% das empresas da amostra
possui inovação tecnológica e 0,6% possui inovação cultural que são
potencialmente capazes de criar novo valor. Se considerarmos a
representatividade da amostra no universo empresarial nacional, este valores
percentuais tornam-se insignificantes para fazer com que a inovação feita
internamente tenha um forte impacto na nossa economia.
O menos perfeito entendimento do que é
inovação, de quais são as diferenças entre a dimensão tecnológica e a cultural,
e de como o valor pode ser criado, acrescentado ou melhorado, leva a que muitos
dos investimentos menos bem determinados efectuados no passado, e mesmo no
presente e no futuro, possa ser a causa próxima do fracasso apontado pela COTEC
. Muito trabalho ainda existe por fazer para bem gerir o valor e a inovação em
Portugal.
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