sábado, 3 de janeiro de 2009

PORQUE RAZÃO O PEQUENO COMÉRCIO NÃO TEM FUTURO?

Na sua recente comunicação de Ano Novo, o Presidente da República aludiu ao perigo de extinção que os agricultores e os pequenos comerciantes correm neste ambiente conturbado de uma crise mundial que não tem fim à vista.
Foquemo-nos no caso dos pequenos comerciantes, o comércio tradicional.
Será que existem condições para que o pequeno comércio resista à evolução da economia capitalista?
Olhemos para o assunto sob o aspecto do estudo económico do valor criado por qualquer actividade.
Quando se produz um bem a partir de uma qualquer matéria-prima está-se a criar valor. Da mesma forma quando se semeia uma semente e se colhe o seu fruto, está-se também a criar valor. Ainda quando se realiza um serviço que resolva um qualquer problema ou traga bem-estar a alguém, está-se a criar valor.
E que valor é esse?
Esse valor é o que qualquer um de nós está disposto a pagar pela “coisa”, para a possuir sem que a tenhamos de produzi nós próprios. Se conseguimos produzir algo por um custo, expresso em tempo, materiais e conhecimento, que é inferior ao que alguém nos pede, ainda que expresso em dinheiro, naturalmente que não estamos dispostos a comprá-lo.
Enquanto os bens foram produzidos por artesãos que detinham conhecimento específico, difícil de adquirir, ou por agricultores que possuíam as terras e as sementes que lhes permitia produzir os bens agrícolas e animais, o estabelecimento do preço incluía uma grande parte de lucro, isto é, de valor para além do pagamento necessário para cobrir os recursos utilizados, como tempo, matérias e conhecimento.
Da mesma forma, quem comprava e transportava os bens para locais afastados do seu local de produção, para os poder comercializar, aplicava uma margem de lucro que ia para além do custo real dos recursos utilizados, como tempo, meios de transporte e de comercialização.
O lucro dependia da maior ou menor dificuldade que os compradores tinham para produzir e transportar eles próprios os bens adquiridos. As margens de comercialização (mark-up) chegavam a ser várias vezes o custo real de produção ou de aquisição, conforme a dificuldade em produzir ou adquirir o bem era maior ou menor.
Com a revolução industrial este paradigma alterou-se.
A possibilidade de produzir bens de consumo com muito menos recursos, ou seja, tempo, materiais e conhecimento utilizados, reduziu consideravelmente o preço de venda dos mesmos bens aos consumidores, o que por seu lado aumentou consideravelmente a possibilidade de aquisição dos bens por uma muito maior parte da população, que veio por sua vez possibilitar uma maior eficiência na sua produção e consequente redução de custo para o fazer.
Contudo, o sistema de distribuição continuou por muito tempo idêntico ao anterior à revolução industrial, com base na distribuição por via do pequeno retalho, de âmbito local e restrito a um pequeno número de consumidores. A falta de mobilidade foi a principal causa da tardia mudança de paradigma na distribuição de bens em grande escala, que durou até à segunda metade do século XX nos países ocidentais.
A facilidade de mobilidade dos consumidores contribui para o sucesso das grandes superfícies comerciais, que possibilitou uma muito maior procura e consequente volume de vendas, permitindo a diminuição da margem de lucro por produto mas um maior lucro por força dos grandes volumes de vendas. O surgimento de grandes cadeias, que repetem a sua localização por diferentes localizações, veio ainda possibilitar o incremento dos volumes de venda e consequente diminuição do preço dos bens.
Foi este movimento que criou a “democratização” de muitos produtos, possibilitando que franjas de consumidores com menos poder de compra passassem a poder adquiri-los.
Com excepção dos artigos de luxo ou alguns de carácter artesanal ou de alguma outra exclusividade, que são destinados a nichos de mercado muito específicos e de dimensões muito reduzidas, o pequeno comércio que não responda a uma necessidade de proximidade dos consumidores não tem possibilidade de sobreviver. Os consumidores simplesmente não o aceitam, porque tem uma alternativa que lhe exige despender menos recursos, ou seja, tempo, dinheiro e facilidade de aquisição.
Tentar contrariar esta realidade é como desafiar as leis da gravidade, para a qual ainda não temos resposta.

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